Queridos irmãos e irmãs, amado povo de Deus!
Estamos no Tempo da Quaresma, caminho de conversão e de preparação para a páscoa do Senhor Jesus. Como todos os anos, a Igreja no Brasil promove a Campanha da Fraternidade. A Campanha da Fraternidade em sua 59ª edição nacional põe em evidência o tema da fome: “Fraternidade e fome: Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14, 16). Neste ano, pela terceira vez, pela Campanha da Fraternidade, num contexto de sinodalidade, a voz da Igreja se levanta para dar voz a tantos quantos têm gritado e não têm sido ouvidos em meio ao flagelo da fome e a miséria, fruto da indiferença, da desigualdade social, da injustiça e da má distribuição dos recursos de nosso país.
Não é de hoje que nos deparamos com esta triste realidade. No período mais agravante da pandemia da COVID-19, sobretudo, esta tragédia mundial tomou uma maior proporção. Hoje, passados cerca de três anos do início da pandemia, percebemos que as coisas não caminharam na direção imaginada. De um lado, contemplamos o crescente aumento de doenças emocionais, a crise migratória, a proliferação da violência e das guerras; de outro, multiplicam-se polarizações, a ausência de diálogo, a crescente indiferença e, principalmente, o escândalo da fome, que, com maior intensidade, volta a figurar como triste realidade em nosso país e no mundo. Em muitos aspectos, retrocedemos. Esses são alguns dos inúmeros desafios do tempo presente que clamam a presença de ações concretas urgentes.
Diante do drama da fome, somos todos interpelados a recuperar a paixão compartilhada por uma comunidade de pertença e de solidariedade à qual saibamos dedicar tempo, esforços e bens. Eis o caminho apresentado pelo papa Francisco na Fratelli Tutti (FT 36).
Diante do flagelo da fome, nos preguntamos: Como é possível ter tantas pessoas passando fome com as riquezas que o nosso país dispõe? Como é possível a insensibilidade do coração humano? Qual é o valor de cada pessoa humana e a consequente responsabilidade social de todos para cada um, principalmente do poder público? Precisamos assumir algumas ações concretas diante do gritante cenário: lavar os olhos com as lágrimas de quem passa fome para ver a realidade, muitas vezes camuflada, que oculta inúmeras contradições; ver, compadecer e cuidar, cultivando um coração capaz de olhar com sinceridade as necessidades do outro; aprender a repartir e não cometer o desperdício em nossas mesas; enfim, é preciso empenho pessoal, comunitário e eclesial, social e político, para superar a fome em nosso país. As práticas da justiça e da partilha sempre deverão ser nosso compromisso de fraternidade.
O Catecismo da Igreja Católica, n. 57, afirma que, “por ser imagem de Deus, o indivíduo humano tem a dignidade de pessoa: ele não é apenas uma coisa, mas alguém. É capaz de conhecer-se, de possuir-se e de doar-se livremente e entrar em comunhão com outras pessoas, e é chamado, por graça, a uma aliança com o seu Criador, a oferecer-lhe uma resposta de fé e de amor, que ninguém mais pode dar em seu lugar”.
Quando a dignidade da pessoa humana, acima relatada, não é levada em conta, tudo torna-se, infelizmente, possível. Torna-se apenas um objeto a mais, uma mercadoria, um ser indistinto de qualquer outro animal. E assim, tudo é possível. Ao desfigurar-se o valor da pessoa humana, ignora-se a vontade de Deus criador e providente.
O Concílio Vaticano II, na Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 29, nos lembra que “a dignidade de cada pessoa diante de Deus é o fundamento da dignidade do homem perante os outros homens”. Só se pode considerar uma sociedade justa se esta respeita a dignidade da pessoa humana, que é inviolável. Esta nunca pode ser instrumentalizada para projetos de caráter econômico, social ou político. O contrário é o correto: todos os programas de governo devem levar em conta o ser humano e sua primordial importância. E um destes grandes deveres da sociedade é não permitir que alguém passe fome. Precisamos ter e fazer acontecer Políticas Públicas que visam assegurar os direitos e a dignidade do ser humano.
Afirma o texto-base da CF 2023 da CNBB, n. 56: “A fome no Brasil não tem sido uma questão de prioridade. Alimentar os cidadãos não tem sido a primeira preocupação dos projetos governamentais… a prioridade maior é o lucro. Aos pobres resta a pecha social de que passam fome por querem, uma vez que o Brasil é um país generoso, onde tudo o que se planta dá. Mas não é bem assim. Sem teto, terra e trabalho digno, nenhum ser humano poderá viver com a dignidade de filhos e filhas de Deus respeitada e promovida”.
O Santo Padre, o Papa Francisco, em sua mensagem à Igreja do Brasil por ocasião da Campanha da Fraternidade 2023, recordou um discurso aos Movimentos Populares, em 2014: “A indicação dada por Jesus aos seus apóstolos “Dai-lhes vos mesmos de comer” (Mt 14, 16) é dirigida hoje a todos nós, seus discípulos, para que partilhemos – do muito ou do pouco que temos – com os nossos irmãos que nem sequer têm com que saciar a própria fome. Sabemos que indo ao encontro das necessidades daqueles que passam fome, estaremos saciando o próprio Senhor Jesus, que se identifica com os mais pobres e famintos”.
Lembremo-nos, irmãos e irmãs, que a Campanha da Fraternidade tem como gesto concreto a Coleta Nacional da Solidariedade, realizada no Domingo de Ramos, neste ano dia 02 de abril, em todas as nossas comunidades eclesiais. Os recursos são destinados aos Fundos Diocesano e Nacional da Solidariedade, os quais apoiam projetos sociais relacionados à temática da campanha. Em nossa Diocese de Itabira-Coronel Fabriciano a destinatária de parte deste recurso é a Cáritas Diocesana. Sejamos solidários e generosos na partilha.
Que este tempo quaresmal e a Campanha da Fraternidade nos ajudem a percorrermos um caminho de sincera conversão e preparação para a Festa da Páscoa, certeza de vida plena para todos em Cristo Ressuscitado.
A todos uma abençoada e fecunda quaresma!
Itabira, 07 de março de 2023
Dom Marco Aurélio Gubiotti
Bispo Diocesano de Itabira-Coronel Fabriciano
“Pela Graça de Deus” (1Cor 15,10)